quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Vencendo o Complexo de Deus nas Organizações


Tanto quanto possível, visitamos sites e blogs em busca de notícias sobre o mundo corporativo, assistimos aos melhores Telejornais, devoramos as bibliografias mais recomendadas sobre negócios, acompanhamos as práticas de sucesso recentemente implantadas, fazemos especializações, MBAs, Doutorados, etc., como forma de enriquecer nosso arsenal de conhecimentos e nos manter atualizados frente aos grupos que frequentamos.
Diariamente, nossas mentes processam milhões de dados, mas, em termos práticos, o que estamos fazendo com todas essas informações? Conseguimos interagir e, consequentemente, operar transformações relevantes em nossas vidas, em nosso ambiente de trabalho, na sociedade em que vivemos? Será que estamos assimilando e aplicando as lições absorvidas ou simplesmente nos preocupamos em fazer as tarefas “recomendadas”?
Indiscutivelmente, precisamos alimentar nossa base de conhecimentos, entretanto, esta precisa ser compartilhada, fortalecida e ampliada para, finalmente, traduzir-se em ações capazes de modificar para melhor a realidade na qual estamos inseridos. A dedução é óbvia, contudo, poucos conseguem resultados expressivos nesse sentido.
Sentimo-nos tão confortáveis em acumular conhecimentos e títulos, como se tal postura fosse suficiente para garantir nossa trajetória profissional enquanto executivos e, inclusive, enquanto empresas. Somos “doutores” da situação. Geramos relatórios com números e gráficos os mais variados, monitoramos nossas receitas e despesas, estruturamos nossa matriz de custos, prospectamos clientes, acreditamos que dominamos as tendências econômicas, até que um elemento dinâmico, em constante mutação, chamado mercado, nos surpreende com fatos inusitados e até então imprevistos, colocando por terra as teorias dos estudiosos mais renomados e inquietando dirigentes nos vários setores, obrigando-os a rever suas estratégias organizacionais.
Recentemente, assistindo a palestra do economista Tim Harford, intitulada “Trial, Error and the God Complex” (Tentativa, Erro e o Complexo de Deus), deparei-me com ideias que desafiam o lugar comum. Cabe ressaltar, porém, que seu pensamento não é pioneiro, apenas aplicou na área da Economia os experimentos do Médico e pesquisador Escocês Archie Cochrane, que durante toda sua vida lutou contra uma terrível enfermidade, que debilita indivíduos e corrói sociedades, a qual chamou de Complexo de Deus, cujo principal sintoma é: “não importa o quão complicado seja o problema, você tem uma crença absolutamente incontrolável de que está infalivelmente certo em sua solução”. Harford observou que, apesar da constatação de que os grandes inventos da humanidade foram frutos de tentativas e erros, sem fórmulas que assegurassem sua eficácia; assim como no campo da Medicina, no mundo Econômico muitos são afetados pela síndrome do Complexo de Deus: economistas, empresários, líderes governamentais, que, a despeito de um mundo incrivelmente complicado, estão absolutamente convencidos de que entendem como o mundo funciona. O fato é que, ao analisarmos estatísticas e gráficos, precisamos ir além das informações que os dados nos mostram, precisamos captar o que “ficou de fora”, pois, muito além dos números, existem milhares de interações e combinações complexas entre produtos, preços, demandas, expectativas diferenciadas por classe de consumidores, etc., que podem nos levar à fatalidade de uma interpretação superficial.
Na matéria “Lá vêm os contadores de feijão”, Fábio Steinberg inicia com um exemplo que retrata muito bem o Complexo de Deus. Ele escreve:
“Aquela indústria de comida para cachorros era exemplar. Com uma gestão feita pelos melhores MBAs, tinha uma formulação do produto equilibrada e saudável, controles financeiros invejáveis, logística de distribuição perfeita, força de vendas eficaz, empregados motivados, marketing primoroso e ainda propaganda premiada. Só havia um problema: os malditos cachorros detestavam a ração. Essa história resume o que ocorre com frequência nas grandes corporações, que parecem ter perdido o contato com a realidade do mercado e com a vontade do freguês. Ao manter-se uma organização interessada no próprio umbigo, sob o controle de quem só se excita com resultados financeiros, criam-se monstros autônomos que acabam provocando a própria destruição.
Ninguém melhor que a GM, a centenária ex-maior empresa automotiva do planeta para contar tal trajetória. Segundo Bob Lutz, um respeitado veterano da indústria automotiva, aposentado há um ano como vice-chairman da GM mundial, a empresa começou a ter problemas no dia em que priorizou os resultados financeiros em detrimento do que a consagrara: a produção de carros bons e bonitos que atendiam à vontade do consumidor.
A história da GM não é um fato isolado. Diariamente, empresas de todos os tamanhos e segmentos sofrem do mesmo mal. Não dão atenção ao produto, abandonam a clientela às traças e buscam o lucro imediato, de olho no investidor”. (Texto adaptado da Revista Alfa, nº 12, Agosto, pág. 42).
Talvez por aprender com histórias como essa, ou motivadas pela necessidade de conhecer o mercado e vencer o Complexo de Deus, algumas empresas adotam estratégias diferentes. Umas decidem transpor suas áreas de comando, dando voz aos colaboradores nos diversos níveis. Outras assumem postura ainda mais agressiva, ousando ultrapassar as fronteiras da organização, estabelecendo redes de relacionamento com clientes, sociedade, fornecedores e até mesmo concorrentes, na busca por soluções ágeis e inovadoras, impossíveis de serem produzidas apenas considerando o ambiente interno.
Citamos o caso da Goldcorp, empresa canadense de mineração de ouro que, com o esgotamento de suas jazidas, ousou quebrar as regras da indústria da mineração, disponibilizando todos os dados da companhia no site da empresa, e lançou um desafio para quem achasse os melhores métodos e as melhores reservas de ouro nas minas da empresa, oferecendo uma recompensa de US$ 575.000. Após analisar inúmeras ideias vindas de estudantes, consultores, matemáticos e militares, utilizando recursos e ferramentas ainda não testados pela renomada equipe de geólogos da organização, identificou 110 possibilidades, 50% a mais do que os especialistas da própria companhia, que se traduziram em 8 milhões de onças de ouro encontradas.
Dentro do mesmo espírito, recentemente, a Nokia lançou o concurso “Create 4 Millions”, convidando internautas a participar da competição global para desenvolver aplicativos Java ou Web para telefones Série 40, nas categorias: notícias e informações baseadas em localização, jogos e entretenimento, redes sociais e acesso ao conhecimento. Segundo as informações constantes no site da Nokia “para cada uma das quatro categorias, haverá 10 prêmios em dinheiro, com um prêmio máximo de 50.000 € em cada categoria. Os aplicativos vencedores serão promovidos a nível mundial em vários canais de propriedade da Nokia, incluindo: online, mídia social, boletins informativos e muito mais”. O concurso está aderente com a estratégia da empresa, qual seja: “entregar aparelhos e serviços ainda melhores para a próxima geração, oferecendo excelência em aplicativos para a Série 40, com foco em informação, educação, entretenimento e aproximação de pessoas”.
O Itaú, por sua vez, lançou a Comunidade Empresas, que visa reunir empresários de diversos segmentos para a troca de experiências, expansão da rede de relacionamentos, interação com clientes, parceiros e fornecedores, gerando aprendizado mútuo.
A cada organização os seus desafios. Não importa o caminho escolhido, desde que este, de fato, permita analisar os diferentes mercados consumidores, antecipar as demandas e identificar nichos para a inserção de novos produtos, serviços ou combinações que resultem em modelos de negócios diferenciados. Espaços vazios sempre existem. Cabe aos mais competentes ocupá-los. O segredo? Reconhecimento das limitações e constante disposição para o aprendizado. No início da jornada para alavancar soluções, uma recomendação: manter o pensamento do grande filósofo, “só sei que nada sei!”.
Um brinde à humildade!